Demorou, mas a Presidenta teve uma audiência direta com lideranças indígenas expressivas, importantes, grande lideranças de diversos povos indígenas de todo o país. Não havia da parte dos índios muitas esperanças de que fossem ouvidos e conseguissem mudar o rumo do governo, mas sabiam que a ocasião era fundamental. A política anti-indígena de Dilma foi dita na frente deles, pela própria comandante. Quem ordena o genocídio não se escondeu diante das vítimas. E utilizou o advogado Cardozo (akaMinistro da Justiça) para em suma convencer os indígenas, vítimas desse violento processo em curso, de que a sua destruição é um imperativo ao projeto de Brasil que ela propõe. Com palavras mais suaves, é claro. Como se espera de um advogado. Ele falou em "uma perspectiva de conciliação e de diminuição de conflitos", sendo que defende a regulamentação das demarcações apenas como pede o lado do conflito que está contra os indígenas.
Dilma não gosta de ouvir, e sabendo disso, os índios apresentaram uma carta precisa, com uma agenda, com pauta definida, questões locais mas também problemas universais da luta pelos direitos. A luta indígena não é uma luta individualista. É uma luta por igualdade, pela democracia, pelo cumprimento de tratados internacionais, a defesa da Constituição Federal e das futuras gerações. Na carta, que foi lida, comentada, assinada por Dilma e serviu de norte para as falas, escreveram uma série de considerações para o que chamam de uma "agenda positiva", entre elas, a garantia dos direitos constitucionais pela luta pela terra:
"Somos totalmente contrários a quaisquer tentativas de modificação nos procedimentos de demarcação das terras indígenas atualmente patrocinados por setores de seu governo, principalmente a Casa Civil e a Advocacia Geral da União (AGU), visando atender a pressão e interesses dos inimigos históricos dos nossos povos, invasores dos nossos territórios, hoje expressivamente representados pelo agronegócio, a bancada ruralista, as mineradoras, madeireiras, empreiteiras, entre outros"
No caso das demarcações, o governo comprou o discurso do agronegócio. Aquele expresso pela senadora Kátia Abreu, chefe do lobby ruralista a cargo da Confederação Nacional da Agricultura, que diz ter as mesmas ideias de Dilma. No mesmo dia da reunião entre Dilma e os indígenas, o lobby ruralista tentou ocupar espaço na agenda política e a senadora apresentou um "estudo" para tentar dar argumentos para a política anti-indígena do governo. O suposto estudo utilizava dados do IBGE e do ICMBio para fundamentar a oposição entre agronegócio e unidades de conservação (mais do que evidente), e superestimava a capacidade de produção agropecuária para atacar os direitos indígenas por um imperativo econômico (que nem assim não se sustenta). "Mantido ritmo de criação de unidades de conservação e terras indígenas, o PIB nacional perderia 204,6 bilhões de dólares em 8 anos", declarou a senadora no twitter.
Nada de ocupação democrática do território, e sim a política de aumentar a concentração fundiária. Cardozo tentou convencer os índios de que suprimir direitos constitucionais e integrar no processo o lobby ruralista de dentro do governo (como Embrapa e AGU) iria ajudar os índios a ter suas terras pois isso iria diminuir a "judicialização" dos processos. Como bom advogado, ele não deveria esperar convencer ninguém com uma fala tão rasa, mas apenas defender seus clientes. “Nos posicionamos contrariamente à inclusão desses órgãos. Tem que ser como estava, como estabelece o Decreto 1.775, que é o marco regulatório que existe hoje. É isso o que defendemos”, disse Sônia Guajajara, vice-coordenadora da Coiab (Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira).
Não é apenas aos índios que Dilma deve explicação. A eles, é claro. Mas ao Brasil inteiro também. A destruição dos direitos indígenas, como está sendo processada pelo atual governo, é um crime contra a humanidade.
O Brasil é uma grande fronteira de commodities. E o governo se apressa em fazer o jogo sujo para organizar a extração dos recursos, mantendo na mão da pequena e poderosa elite o grande volume de capital, distribuindo o que sobra e é politicamente conveniente. O arregaço que fica vai pra conta dos empobrecidos pela economia extrativista. "Aqui fica o buraco", me disse o castanheiro José Cláudio Ribeiro da Silva, alguns meses antes de ser assassinado a mando de um pecuarista no interior do Pará.
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